Escrever para crianças

Nesse sábado (15/02/2014), vai haver um evento literário bem bacana em Angicos - RN. Acho que esse texto tem tudo a ver com alguns assuntos que serão comentados por lá.



No fim do livro "As crônicas de Nárnia", que reúne os sete livros de sobre o mundo encantado de C. S. Lewis, tem um texto do autor chamado "Três maneiras de escrever para crianças". Lewis inicia seu texto dizendo que quem escreve para crianças tem, em geral, três maneiras de abordar seu trabalho, sendo uma delas ruim. O autor diz que escreve aquilo que gostaria de ter lido quando criança e que ainda gosta de ler agora. Conta, ainda, que não se deve "dar ao público o que ele quer", não se deve contar uma história pronta e sem desafios. Também não se deve escrever algo que sirva apenas para entreter a criança, sendo que até mesmo o próprio autor visse com indiferença ou desprezo. Lewis afirma que "uma história para crianças de que só as crianças gostem é uma história ruim". A criança não se deixa enganar com facilidade e o autor que não acredita em sua própria história será rapidamente deixado de lado.

A única maneira, diz Lewis, que é capaz de usar, consiste em escrever algo não especificamente para um público, mas apenas por ser a maneira que julga melhor para se expressar. Essa história, então, é taxada de "infanto-juvenil", mas apenas porque se encaixa com aquela faixa etária, mas não porque foi escrita para ela. O autor nos fala, ainda, que quando se passa muito tempo na ótica do adulto, esquecemos da época em que vivíamos como crianças, pois o modo como os adultos enxergam as crianças é diferente do modo como elas de fato são.

A crítica atual de produções literárias utiliza o adjetivo "adulto" como marca de aprovação. Como se a literatura dita infanto-juvenil não fosse complexa ou profunda o bastante para merecer o tempo gasto com ela. Se um homem de mais de 50 anos afirma ainda gostar de anões, gigantes e fadas, é mais provável que ele seja ridicularizado por sua demência senil do que louvado pela perpetuação de sua juventude.

Lewis traz sua concepção de crescimento dizendo que "hoje gosto de vinho, coisa de que não gostava quando criança, mas não deixei de gostar de limonada. Chamo isso de crescimento. Se eu simplesmente deixasse de gostar de limonada para gostar de vinho, isso seria uma simples mudança". De fato, o processo de crescimento acarreta várias perdas, mas essa não é a verdadeira essência dele. A associação dos Contos de Fadas com a infância é algo, na verdade, acidental. Antigamente, os Contos de Fadas não eram histórias feitas para crianças. Apenas se deslocou para essas faixas etárias quando "caiu de moda" nos círculos literários, tal como acontecia com a mobília das casas vitorianas, que ao caírem de moda, passam a habitar os quartos das crianças. E, é claro, como nem toda literatura infantil é fantástica, nem toda história fantástica é infantil.

Mas é claro que não se reserva às crianças somente histórias das quais não se deve temer. Histórias fantásticas de terror são muito interessantes para crianças. Não se deve esconder os lobos nas florestas porque achamos que uma criança ainda não pode lidar com eles. Se você deixar que uma criança leia apenas histórias inocentes sobre a vida infantil, em que nada de assustador ou inesperado acontece, não vai estar eliminando os terrores dela, mas sim eliminando a chance de ela saber lidar com eles. Devemos encarar a criança como um igual naquela região da natureza em que todos somos iguais.