Degustação SANGUE DE DRAGÃO - Trilogia Etérea Livro III

 



PRÓLOGO

Presságio

 

 

Fracos raios de sol penetravam timidamente as nuvens pesadas que anunciavam que uma tempestade se avizinhava.  Elyna estava sentada, solitária, diante da grande janela de seu quarto, que dava para um dos jardins do castelo. O seu olhar perdia-se nos confins do horizonte, entre as árvores da floresta e os tons de um amanhecer opaco. Aquele era somente um de uma série de dias tristes, marcados pela melancolia que tomava conta de tudo.

Só havia se passado uma semana desde que tudo mudara. Elyna estava sozinha na quietude daquele quarto, como estaria sozinha a partir de agora. Aladhar estava morta. Ela absorvera aquela informação, junto com as demais que haviam chegado. Sua mente ainda não conseguia processar todos os acontecimentos que sucederam aquela notícia. Sabia que precisava ser forte naquele momento, mas sequer tinha forças para se levantar daquela cadeira.

Ela havia sido a última a saber da notícia da morte da irmã. Contudo, sentira o momento que aquilo ocorrera. Eram gêmeas, Elyna e Aladhar, e todos diziam que eram idênticas. Apenas os olhos as diferenciavam: Os de Elyna eram azuis e os de Aladhar tinham uma tonalidade de mel. Cada uma conhecia os pensamentos da outra e, mesmo com o passar dos anos, quando os seus caminhos se separaram, ainda havia aquela ligação sutil, um vínculo tenaz que as unia além da distância e lhes permitia trocar pensamentos e sentimentos.

Elyna fechou os olhos e, na escuridão de suas pálpebras, pôde ver o sorriso de Aladhar brilhar cheio de esperança no futuro. Um futuro que ela não iria viver. Precisou balançar a cabeça para espantar da mente a imagem de sua irmã. Aquilo a fazia sofrer ainda mais. Elyna havia lhe dito tantas vezes que aquele romance não daria certo, tinha alertado Aladhar que havia algo errado naquele homem, mas a irmã estava completamente apaixonada. E ela a entendia. Sabia como era estar apaixonada. Então, mesmo não concordando, Elyna ajudara Aladhar diversas vezes a fugir do castelo para encontrar seu amado.

Quando os pais descobriram, proibiram que Aladhar tivesse qualquer contato com aquele homem, que acreditavam ser um humano e que, por isso, era incapaz de viver em harmonia com seres de magia. A princesa, no entanto, não se deu por vencida. Os dois continuaram a encontrar-se apesar de todas as proibições. Continuaram sonhando com uma vida juntos e quebraram todas as regras nunca escritas sobre a convivência entre seres de diferentes espécies.

Elyna, por sua vez, sempre ficou ao lado da irmã e continuou a ajudá-la. Acobertou a fuga de Aladhar quando esta descobriu que estava grávida e resolveu morar com o amado. E por isso, Elyna agora se culpava. Aladhar tinha morrido sozinha, em uma emboscada. Seu bebê provavelmente também estava morto. Sua irmã ainda estaria viva se Elyna não a tivesse ajudado a fugir e tivesse simplesmente seguido as ordens dos pais?

Na última vez que Elyna e a irmã haviam se encontrado Aladhar estava radiante. Sua barriga denunciava que o bebê logo nasceria. Se encontraram no lugar de sempre, próximo à pequena casinha em que Aladhar morava com seu amado, no meio da floresta. A princesa vivia agora como uma camponesa, mas Elyna nunca tinha visto a irmã tão feliz.

- Sinto sua falta. – disse Aladhar.

- E eu a sua.

As duas ficaram alguns momentos em silêncio, aproveitando cada instante. Aladhar apoiou a mão nos cabelos da irmã e os acariciou. Sentindo o aquele toque leve, Elyna teve vontade de ficar daquele jeito para sempre porque no fundo de seu coração sabia, sentia que se o tempo não parasse naquele instante, algo iria acontecer.

- Há algo que eu quero contar-lhe! – falou Aladhar, com um sorriso no rosto.

- Diga-me! – disse Elyna, e a irmã segurou suas mãos.

- Nossos pais acham que ele é um humano e por isso não nos aceitam juntos, não é? Eles nunca gostaram de humanos. Mas eles aceitariam um ser de outra espécie?

- O que quer dizer? – questionou Elyna.

- Maerion é um dragão. – afirmou Aladhar.

- O que? – espantou-se Elyna. – Você sabia disso?

- Não. Ele contou-me há pouco tempo. Achou que não faria diferença para nossos pais, pois continuamos sendo de espécies diferentes.

- Ele pode estar certo sobre isso. – disse Elyna. – Humanos com certeza são, na opinião dos nossos pais, a pior raça desse mundo. Mas não acho que se envolver com uma raça diferente era o que eles planejavam para você.

- Nossos pais não podem planejar nossas vidas. – disse Aladhar. – Elas são nossas. Nós é que decidimos o que fazer com elas.

- Mas nós somos Princesas do Povo das Fadas! Nós temos deveres para com o nosso povo!

- Eu abri mão disso quando decidi fugir.

Elyna voltou para o castelo naquele dia com muitos questionamentos. Ela e Aladhar haviam sido criadas para governar o Povo das Fadas, assim como sua família fizera por centenas de anos. Contudo, enquanto Elyna se dedicava a aprender sobre questões diplomáticas, acompanhando os pais em reuniões importantes, bem como aos estudos sobre magia, Aladhar gostava de estar com o povo, de andar pela cidade, comprar frutas no mercado e conversar com as pessoas. Ela nunca demonstrara interesse no comando do reino.

Ela fechou os olhos mais um instante. Não aguentava mais. A vida desmoronava em cima dela e toda a sua força desaparecia atrás de um horizonte de sofrimento, diante de tudo o que havia acontecido. Sentia que o que tinha por dentro, fosse lá o que fosse, iria engoli-la para sempre. Nada conseguia preencher aquele vazio que, do coração, se espalhava pelo corpo inteiro, paralisando-a. Elyna lembrava de cada detalhe, cada segundo desde que sentira que algo terrível acontecera a sua irmã. No último dia em que haviam estado juntas dera-lhe um abraço bem apertado e parecera-lhe que Aladhar se dissolvia entre seus dedos, como se de alguma forma já não lhe pertencesse.

Voltavam à sua mente as lembranças de sua irmã, o sorriso dela de manhã, o perfume de seus cabelos, o cheiro de sua roupa. Ao mesmo tempo, as lembranças de quando contara tudo aos pais assim que sentiu aquele terrível presságio, das buscas que se iniciaram imediatamente e da confirmação da morte de Aladhar. A dor era dilacerante e, por mais que tivesse a impressão de ter chegado ao fundo do poço, parecia que a cada dia descia mais nele. No seu limbo, tudo era confuso, distante e sem vida.

Elyna lembrava nitidamente da ameaça de os dragões invadirem a terra das fadas e dizimarem toda a população, e de seus pais, o Rei e a Rainha, se sacrificarem pelo seu povo para esconder o Reino Feérico nas brumas para evitar a tragédia iminente. Não tinha ido ao enterro da irmã, mas lembrava-se do dia que haviam encontrado o corpo e que, de sua janela, vira a pira ser acessa e a fumaça dela subir por horas em direção ao céu. Lembrava do cheiro do óleo de lavanda, usado no corpo de Aladhar, que se espalhara junto com a fumaça.

Uma batida abafada veio da porta, tirando Elyna de suas lembranças. Ela autorizou a entrada, mas não se moveu. Nem mesmo olhou para trás. Continuou com os olhos fixos no horizonte. Os esplêndidos olhos azuis de Elyna, que agora estavam nublados.

- Vossa Majestade! – disse uma voz feminina a quem imediatamente ela reconheceu como sendo de Jhad, a comandante do Exército Feérico. – Todos a esperam na sala dos dois tronos para a vossa coroação.

- Preciso de mais alguns minutos. – disse Elyna, e suspirou profundamente.

- Como desejar, Vossa Majestade. – disse Jhad.

- Por favor, fique aqui comigo! – falou a princesa, levantando-se da cadeira e virando-se de frente para a comandante. Uma lágrima solitária escorreu em seu rosto. – Não tenho mais ninguém nesse mundo.

De repente, caiu em prantos. Apertou os olhos na tentativa de acalmar-se, mas não conseguiu.

- Você tem a mim! – disse Jhad, aproximando-se de Elyna e abraçando-a. Sabia que não precisavam mais de formalidades naquele momento.

 

 

 


 

CAPÍTULO 1

Retorno

 

 

A lua estava alta no céu e se escondia, de tempos em tempos, em meio às nuvens que ficavam cada vez mais densas e numerosas, anunciando que uma tempestade logo chegaria. A Rainha Elyna estava sentada em uma cadeira de frente à janela do seu quarto. A cena parecia se repetir. Sentimentos se misturavam dentro dela. Sentia-se impotente mais uma vez, como anos atrás. Ela não suportaria viver mais um dia como aquele, perder novamente pessoas que amava.

Quando sua irmã e seus pais morreram, tinham dito a ela que o tempo amenizava todas as dores. Mas, com ela, nunca parecera funcionar. Pelo contrário. A cada dia, a cada minuto, as ausências se tornavam mais insuportáveis. E, agora, seu filho estava em perigo, bem como sua sobrinha, que era tudo o que lhe tinha restado de Aladhar.

Serondye, Aether e a capitã do Exército das Fadas tinham desobedecido sua ordem e partido para Hallynor naquela madrugada. A Rainha Elyna estava tomada pelo desespero. Sabia o que podia ter acontecido a eles. Sabia que tudo aquilo podia tratar-se de uma armadilha dos dragões para tirá-los do Reino das Fadas. E, justamente por isso, tinha ordenado que não fossem para Hallynor. Contudo, não havia mais nada que pudesse fazer agora. Mais uma vez ela estava de mãos atadas. Mais uma vez ela nada podia fazer pelos seus.

Elyna sentia-se oprimida por aqueles sentimentos de impotência e incerteza que corroíam suas entranhas. E o vento que soprava não lhe parecia comum, tinha um final gélido que queimava a pele e congelava tudo por dentro. Um vento álgido que parecia anunciar uma nova tragédia. Mesmo depois de tantos anos, a ameaça ainda rondava aquela terra. O passado parecia não querer ir embora e as lembranças vinham lhe assombrar, como se tudo fizesse parte de um eterno ciclo.

Ouviu-se um rumorejar surdo da trovoada que se aproximava e o céu foi rasgado pela luz repentina de um relâmpago. Então, de repente, um portal abriu-se na floresta, irradiando uma luz branca por entre as árvores. A Rainha tomou fôlego como se aquela fosse a primeira respiração da sua vida e levou a mão ao peito. Elyna levantou-se às pressas da cadeira onde estava e deixou o quarto. Desceu correndo as escadas e seguiu, às pressas, em direção à porta de saída do castelo.

Em poucos instantes, estava diante das margens da floresta, onde estava o Exército das Fadas, comandado pela Rainha Jhad. Os guerreiros encontravam-se em posição de defesa, com seus pesados escudos na direção das árvores. A Rainha Elyna correu ao encontro de sua esposa, que já dava ordens a seus soldados.

 

Surgiram devagar, um a um, do meio das árvores. Serondye foi o primeiro a aparecer e ouviu-se um grito de “baixem as armas” vindo da Rainha Jhad. Logo depois, Calyna surgiu. Atrás dela vinham Lonerin e a família de Aether, que olhavam em volta, sem entender onde estavam. Alguns deles estavam feridos, os trajes sujos do sangue dos inimigos, ou sangue deles próprios.

A Rainha Elyna correu, aflita, na direção do príncipe e o abraçou. Em seguida, dirigiu ao filho um olhar desesperado, depois de perceber que Aether não estava no grupo. Serondye baixou a cabeça e um silêncio tumular que não pressagiava nada de bom tomou conta do lugar. As lágrimas que guardara desde o momento em que percebera que haviam partido para Hallynor, desciam agora sem controle pelo seu rosto.

- O que houve com ela? – perguntou Jhad, aproximando-se do grupo, quando percebeu que a esposa não tinha condições de falar naquele momento.

- Eu não sei. – respondeu Serondye. – Tudo aconteceu rápido demais. Fomos atacados. Ela se transformou e nos ajudou a escapar. Então, retornamos para o lugar combinado, onde abrimos o portal. Depois ela mesma escapou. Nós a vimos como um dragão, voando na direção da floresta, mas Moriz a perseguiu e...

- Ela está morta? – perguntou Elyna, com a voz embargada.

- Não sabemos. Ele a machucou e ela caiu na floresta. – falou Calyna. – Dmthir voltou para ajudá-la e nossos caminhos se separaram.

- Eu não podia manter o portal aberto por muito tempo. Era arriscado demais, poderia revelar nossa localização e isso causar um ataque ao nosso povo.

- Precisamos encontrá-la! – disse Elyna.

- Eu posso tentar procurá-la com magia. – disse Serondye. – Não vai ser fácil, mas posso começar do último lugar onde a vimos e seguir a partir dali.

- Então vamos voltar para o castelo! – disse Jhad, com firmeza. – E Serondye vai encontrar Aether.

Enquanto Calyna voltou para sua casa, os demais retornaram ao castelo. A Rainha Jhad acomodou a família da moça e Lonerin nos quartos restantes do lugar. Os pais de Aether ficaram no quarto mais próximo ao dela, enquanto seus irmãos foram acomodados no final do corredor do segundo andar, ao lado do quarto que Lonerin ocuparia.

Foram chamadas curandeiras para tratar dos feridos e Serondye dispensou os cuidados e se dirigiu ao quarto de Aether, pois lá ficaria mais próximo à energia da prima para conseguir encontrá-la. A Rainha Elyna providenciou para que o jantar dos visitantes fosse entregue em seus respectivos quartos e se juntou ao filho nos aposentos de Aether. A Rainha Jhad logo se uniu aos dois.

O príncipe pretendia adentrar os sonhos de Aether para entender onde ela estava e, assim, abrir um portal até o lugar para resgatar a moça e Dmthir, que deveria estar com ela. Serondye sentou-se na cama de sua prima com as pernas cruzadas e fechou os olhos. Estava exausto e desconcentrado e aquele, nem de longe, era o cenário ideal para usar a magia. Contudo, não havia tempo para grandes preparações.

Cada segundo contava, pois Aether corria muitos riscos ficando em Hallynor por tanto tempo. Além disso, não sabiam se ela estava machucada ou mesmo se Dmthir tinha conseguido de fato encontrá-la. A essa altura, os dois poderiam, até mesmo, terem sido capturados pelos Cavaleiros Dragão.

A água finalmente preencheu com seu tom leve o vazio imóvel que antes abafava todas as coisas. Serondye mantinha-se em concentração absoluta há horas. Sua respiração era tranquila e ritmada. Ele caminhava, solitário, pela floresta de Hallynor, buscando pistas do paradeiro de Aether. Seu corpo flutuava na névoa do éter, obedecendo sua mente, que estava atenta a cada ruído daquele lugar. Mas tudo parecia estar na mais perfeita paz. Nada mais que os sons comuns de uma floresta.

Serondye ouvia o piar de uma coruja, o vento batendo nas folhas das árvores e até mesmo uivos distantes de lobo. Mas nada que parecesse com sons de passos. Nada que lembrasse uma perseguição. O príncipe perguntou-se se já não era tarde demais e se Aether e Dmthir haviam sido capturados e estariam nas masmorras do castelo agora. Ele tentava, em vão, acessar os sonhos de sua prima. Contudo, parecia que Aether mantinha-se acordada, o que corroborava com a teoria de Serondye de que ela provavelmente estava agora em poder dos dragões e, por isso, em total estado de alerta.

A tempestade que caia do céu negro e carregado de chuva e dominava, ameaçadora, aquela terra, aos poucos deixou o lugar para os primeiros raios do alvorecer. Serondye, ainda sentado na cama de Aether, abriu os olhos. Suas mães estavam na sua frente, demonstrando aflição no olhar. O príncipe respirou fundo, deixando claro que não tivera sucesso em sua busca.

- Há pelo menos alguma pista que nos permita achá-la? – perguntou a Rainha Elyna, apreensiva.

- Nada. – disse Serondye, preferindo não compartilhar sua teoria com as mães.

Um silêncio pesado tomou conta do ambiente. A tempestade diminuíra. Já não se ouviam trovões, só o barulho leve da chuva que ainda caia. Serondye encarava as mães, torcendo para que elas não notassem o medo que ele sentia pelo destino de Aether. Um sombrio desespero anuviava seus olhos. A frustração era tanta que lhe obstruía a garganta. Contudo, o príncipe respirou fundo mais uma vez e falou:

- Continuarei a procurar. Não descansarei até encontrá-la.

O eco de suas palavras ressoou nas paredes do castelo.

 


                   Para uma experiência completa, acesse a Playlist do livro.


CLIQUE AQUI para saber mais sobre a Trilogia Etérea.

COMPRE AQUI o livro Sangue de Dragão.

SANGUE DE DRAGÃO - Trilogia Etérea Livro III

 



SINOPSE: Após um perigoso resgate, Aether acaba sendo gravemente ferida e se separa dos outros. Dmthir retorna para ajudá-la e os dois conseguem escapar de Hallynor e encontrar abrigo. Depois de incansáveis buscas, Serondye acaba, finalmente, localizando sua prima. Contudo, uma ameaça iminente parece rastejar pelas sombras. Aether se vê, mais uma vez, atormentada por terríveis pesadelos. A batalha final se aproxima e escolhas dolorosas e definitivas precisarão ser tomadas. Uma pessoa será capaz de unir dois mundos?


SANGUE DE DRAGÃO CHEGA EM 02 DE FEVEREIRO DE 2021.


Para saber mais sobre a trilogia, CLIQUE AQUI!



ACESSE A PLAYLIST DO LIVRO


Filha da Magia conta com uma Playlist do Spotify, pensada para companhar o leitor durante todo o livro e criar uma experiência completa de leitura. Assim que começar o livro, dê o play no Spotify e aproveite.



Degustação FILHA DA MAGIA - Trilogia Etérea Livro II




PRÓLOGO
Morte

Sangue. Sangue por toda parte. No ar, seu cheiro metálico e um silêncio pesado, absoluto. Lá fora, o céu era negro como piche, pontilhado da trêmula brancura de dúzias de pequenas luzes. Não havia o menor sopro de vento, nenhuma voz, nem mesmo o farfalhar das folhas das árvores ou o piar distante de uma coruja. Somente a imobilidade da morte.
A pequena sala, de teto absurdamente baixo, tinha as paredes feitas de tijolos. Num canto havia uma lareira cujo fogo já estava quase que completamente apagado. O espaço apertado era pouco iluminado. Havia uma luz acanhada vinda das poucas velas em cima de uma mesa de madeira. O cheiro penetrante de sangue e de morte confundia-se com o de mofo.
Azor caminhou pesadamente até o corpo sem vida da fada e o virou com delicadeza. Um bebê recém-nascido estava entre seus braços, enrolado em um pano coberto do sangue da mãe que morrera com um golpe de espada. Em um instante, ele pareceu entender o abismo para onde havia escorregado, a abominação da qual participara, a insanidade que o dominara naqueles dias de perseguição.
Teve que fechar os olhos e sufocar, com força, o desejo ardente de abandonar tudo. Respirou fundo, tentando, em vão, apagar o que acabara de acontecer. O bebê começou a chorar copiosamente. Azor o pegou no colo e viu que estava ileso. O Cavaleiro Dragão começou a ninar a criança para acalmá-la. Seus irmãos permaneciam parados como estátuas de mármore, um em cada canto daquela sala.
Viu-se, então, uma forma surgir entre as sombras. A silhueta do homem ficava cada vez mais clara à medida que ele se aproximava da luz das velas até, enfim, revelar a imagem de Moriz. O dragão, que estava em sua forma humana, ainda segurava a espada com a qual ceifara a vida da fada. A arma estava coberta de sangue, que gotejava ritmicamente no chão.
As sombras projetadas no rosto de Moriz pela fraca iluminação das velas lhe conferiam uma aparência ameaçadora. Um ar sádico transparecia em seu semblante. O dragão estava coberto até os pés por roupas escuras. Seu nariz era fino e ele tinha um cavanhaque preto bem desenhado. Seus olhos amarelos em fenda, como os olhos de uma serpente, fitavam Azor, parecendo que invadiam sua alma.
- Posso saber o que está esperando para matá-lo? – questionou Moriz.
- Matá-lo? – Azor perguntou.
- Acha que depois de todo o trabalho que tivemos vamos mantê-lo vivo? – dessa vez foi Yhar que fez a pergunta. – Por qual motivo faríamos isso?
- Sua irmã tem razão! – disse Moriz. – Em que mundo você estava vivendo esses últimos meses, Azor? Maerion não pode ter um filho. Se ele morrer sem herdeiros, eu serei o próximo a comandar Hallynor.
- Mas o bebê é um mestiço. – falou Azor. – Não tem poder para...
- Não seja ingênuo, Azor. – interrompeu Moriz. – Você acha mesmo que Maerion se importa se essa criança é mestiça ou não? Se não tem coragem suficiente para isso, entregue-a a um de seus irmãos.
- Pode entregar a mim! – disse Yhar, com uma expressão ainda mais sádica que a de Moriz. Via-se claramente em seus olhos o quanto ela queria fazer aquilo. – Eu não aguento mais esse choro!
- Vamos, Azor! – ordenou Moriz. – Não temos tempo para demonstração de sentimento de culpa!
- Eu acho apenas que... – começou Azor, tentando pensar o mais rápido possível em uma justificativa que convencesse o pai a manter aquela criança viva. – O bebê pode ser útil.
- Útil? – questionou Moriz.
- Maerion não precisa saber que está vivo. – disse Azor, devagar, tentando ganhar tempo para sua cabeça formular algo. – Nós prosseguimos com o plano de culpar as fadas pela morte da mãe e da criança mestiça. Porém, ela nos pode ser útil de alguma forma no futuro. Ela não saberá sobre sua origem. Podemos até mesmo usá-la contra Maerion.
- Um trunfo? – ponderou Moriz.
- Exatamente. – falou Azor. – Um grande trunfo que pode derrubar Maerion. Não há como saber qual será a reação do grande dragão vermelho quando souber da morte de Aladhar e de seu herdeiro. Mantemos a criança viva sem que ninguém saiba. E se não nos for útil, podemos matá-la depois.
            Moriz permaneceu em silêncio por alguns minutos. Ouvia-se somente o choro do bebê ecoando na sala. Rahil e Dohor permaneciam no mesmo lugar, parecendo estátuas de pedra. Não haviam dado nenhuma opinião, como era de praxe. Como bons soldados que eram, os dois somente serviam e obedeciam Moriz. Já Yhar estava incomodada com a ideia de Azor. Ela queria matar aquela criança. Não porque seu pai havia mandado, mas porque gostava daquilo.
            Azor tentava controlar suas emoções para que elas não transparecessem em seu rosto. Mantinha os dentes cerrados e a expressão séria. E torcia para que seu olhar não denunciasse que, por dentro, ele rezava para que Moriz fosse convencido pelas suas palavras e desistisse de eliminar o bebê.
- Faça-o se calar! – disse Moriz, finalmente. – Ou vou acabar mudando de ideia.





 CAPÍTULO 1
Sozinho

Sangue e pânico não significavam nada para ele. Aquilo fazia parte de sua vida desde que podia se lembrar. Contudo, o castelo estava irritantemente inquieto. Os Cavaleiros Dragão andavam para lá e para cá preocupados, apreensivos, murmurando sobre o que tinha acontecido naquela manhã. Era algo que nunca havia sido visto antes: Um mestiço havia se transformado em um dragão. O que antes somente seu pai e alguns de seus irmãos pareciam saber, era agora de conhecimento comum em toda Hallynor.
            Pelo que ele acabou sabendo, aquela, na verdade, não era a primeira vez. Anos atrás, aquela mesma mestiça, que vivia presa em uma alta torre na terra dos Dragões, já se transformara e, dessa forma, conseguira fugir dali. E isso levava parte dos Cavaleiros Dragão a certos questionamentos: teriam todos eles esse mesmo poder?
            Garin, contudo, tinha a resposta: não. Ele coletou algumas informações e conectou todas elas, chegando à conclusão de que a mestiça era diferente de todos os Cavaleiros Dragão, pois era filha de uma fada e por isso a magia pulsava nela. Híbrida de dois seres mágicos, Aether tinha um imenso poder do qual ele suspeitava que nem mesmo a moça sabia.
            Seus irmãos mais velhos, Rahil, Dohor e Yhar, estavam trancados com seu pai, Moriz, há horas. Seu pai estava furioso, mas Garin não queria pensar nisso agora. Havia muita coisa na sua cabeça e ele precisava seguir seu caminho até as masmorras.
Naquele breu em que se encontrava, o ar parecia mais denso e pesado, com o cheiro típico de lugares fechados. Depois de um tempo, no entanto, seus olhos acostumaram-se à falta de luz e ele conseguiu vislumbrar os degraus úmidos e desconexos que mergulhavam nas trevas.
Desceu aquela escada com passos pesados, até chegar a um corredor estreito com oito celas dispostas de cada lado. O lugar era claustrofóbico e escuro. E havia somente dois prisioneiros ali: um em cada cela. Garin levara o jantar dos prisioneiros Dmthir e Lonerin, que haviam sido presos por traição naquele mesmo dia.
O rapaz empurrou as bandejas pelos buracos nas grades e, sem dizer uma palavra, ou mesmo olhar nos olhos de seus irmãos, virou-se em direção à saída.
- Como você consegue viver depois de tê-lo matado? – gritou Dmthir. Seus olhos estavam cheios de água. Garin parou onde estava. – ELE ERA SEU IRMÃO!
Garin ficou parado por alguns instantes, mas não se virou nem disse uma palavra sequer. Simplesmente voltou a andar para sair dali. Subiu as escadas e desapareceu na escuridão. Depois de sair das masmorras, o rapaz trancou a grande porta de madeira maciça com fechaduras de ferro fundido e parou de costas para ela.

***

Durante os primeiros dias naquele lugar, Garin se entregou por completo as tarefas de aprendiz de Cavaleiro Dragão. Treinamento de manhã e à tarde, serviços de vigia e ronda a noite, alternando com os outros. Contudo, apesar do esforço, ainda não era um cavaleiro. E se perguntava se algum dia o seria.
Ao menos o cansaço que aquela rotina lhe trazia o fazia esquecer de tudo o que havia passado, de sua mãe, do vilarejo, do menino inerte estirado no chão e coberto de sangue, assim como suas mãos também estavam. Fechou os olhos e pensou no pai. Havia sido ele a plantar aquela semente de violência em sua alma.
- Você não precisa ter medo dessas sensações. – disse Moriz, que estava em sua forma humana, de costas para ele.
- Mas elas são terríveis. – falou Garin, encarando seus pés. Estava nos aposentos do pai. Ele o havia chamado para lhe passar as ordens para sua primeira missão com os irmãos.
- A fúria é uma companheira. – disse o dragão. – Ela só precisa ser usada de forma controlada, para que não se desvie do foco e se perca do objetivo. Controle é poder.
- Ela me induz ao mal.
- Induziu a fazer o quê? – questionou Moriz. - Castigar alguém que difamou sua família? Chama isso de mal?
- Eu não quero matar.
- O que quer não faz diferença.
O pai, que nunca o tratara como filho, apenas mandara buscá-lo e ele todos os dias tentava entender o porquê. Moriz tratava seus filhos como soldados, serviçais. Mas isso não impedia o desejo de Garin em agradá-lo.  E, para isso, ele sabia que não podia ser somente um Cavaleiro Dragão, teria que ser o melhor. Não podia ser somente um dos soldados de Moriz. Tinha que ser o seu braço direito e seu homem mais fiel. Aquele anseio, aos poucos, tomava conta do jovem e logo se tornaria seu propósito.

Nos treinos com os irmãos, era perceptível que Garin era dotado de muita resistência, mas sua técnica não era propriamente impecável. Contudo, ele compensava as lacunas com intuição e fantasia. Logo, se tornou muito habilidoso, defendendo-se, evitando agilmente os ataques, escolhendo a hora certa para investir, pulando de um lado para outro com grande agilidade.
Aproveitava-se da própria rapidez para deslocar-se sem parar, desnorteando o adversário. Facilmente desarmava seus adversários, tirando os cajados de treino de suas mãos com um só golpe. Garin vencia até mesmo os irmãos mais velhos e mais experientes que ele. Menos Azor. Ele era o único que Garin nunca vencera.
Contudo, parecia que aquele era o dia em que aquilo mudaria. Usando sua melhor habilidade, Garin parecia estar dominando aquela luta contra seu irmão. Ele aumentou a velocidade dos movimentos, defendeu facilmente um golpe, virou-se e acertou o oponente no flanco esquerdo. De repente, o cajado de madeira voou das mãos de Azor, indo chocar-se com umas espadas apoiadas em um canto da sala. Então, Garin apontou seu próprio cajado para a garganta do irmão.
Porém, aquele momento de segurança foi suficiente para ver a vitória esvair-se entre as suas mãos. Azor fingiu que havia se rendido e, ao menor indício de guarda baixa, desviou-se perigosamente do cajado de Garin e, com apenas um golpe, desarmou o irmão e o derrubou no chão, imobilizando-o.
- Ei! – disse Garin, revoltado por ter perdido. – A luta havia acabado. Você se rendeu!
- Você supôs que eu me rendi. – disse Azor. – Você não imobilizou seu adversário. Me deixou livre para atacar novamente. No mundo real isso poderia ter lhe custado a vida.
- Mas não é justo! – protestou o jovem.
- A vida não é justa, irmão! – disse Azor virando as costas para Garin. – Você acabou de aprender que antes de lutar é preciso conhecer direito o seu adversário. E que a força de nada adianta sem a inteligência.

***

Garin desabou no chão de joelhos. Eram tantas as coisas que gostaria de esquecer, que precisava esquecer. Ele era um ser atormentado, uma criatura confusa e inquieta, perdida entre os impulsos que se desencadeavam à margem da sua consciência e o louco desejo de ser uma pessoa normal.
As lágrimas rolavam sem permissão pelo seu rosto. Ele nem lembrava quando havia sido a última vez que chorara. Nem mesmo sabia que ainda era capaz daquilo. Além das lembranças, que agora vinham sem controle em sua mente, os pensamentos também surgiam sem permissão.

“No mundo real isso poderia ter lhe custado a vida”

            Ele pensava sobre as escolhas que o haviam levado até ali, sobre o que o mantinha ali, quem era ele de verdade, ou mesmo quem ele queria ser. Garin sentia o mundo escapulir entre seus dedos. Tinha a impressão de que estava sendo atropelado por sua própria vida. Desde que encontrara Aether, as coisas pareciam ter mudado num piscar de olhos.
            Tudo se confundia num só turbilhão que o desnorteava. Tinha negado qualquer possibilidade de sentimento ligado a ela. Apressara-se em fugir do que parecia crescer em nele, algo que nunca experimentara antes, algo vivo e real que poderia levá-lo a perder o controle. E isso era algo que o aterrorizava. Garin temia as sensações avassaladoras e quase incontroláveis que ela trazia.

“Controle é poder”

            Precisava voltar a ter seu autocontrole, colocar sua cabeça nos eixos novamente. Pelo menos ele tinha sua espada. Era ela que o ajudava a manter o foco. Nela, suas emoções desapareciam, seus sentimentos se apagavam e sua mente se perdia no automatismo dos movimentos de seu corpo quando lutava.


COMPRE FILHA DA MAGIA!

FILHA DA MAGIA - Trilogia Etérea Livro II





SINOPSE: Aether finalmente está a salvo. Após atravessar o portal, a moça vai parar no Reino das Fadas, o qual achava ser somente parte de contos infantis. Lá, ela vai conhece mais sobre sua mãe e sua origem. Aether também começa a treinar com a Chefe da Guarda Real para ser uma guerreira e descobre ser boa nisso. Contudo, imagens de medo e incerteza começam a povoar sua mente e ela passa a ter terríveis pesadelos. Quando uma súbita e arrebatadora violência recai sobre Aether e a moça tem uma visão de um amigo correndo risco de vida, ela percebe que precisará fazer escolhas. Filha da Magia é o segundo volume da Trilogia Etérea e, neste livro, a história assume um tom mais sombrio. Os conflitos dos personagens tornam-se mais intensos e estes precisam buscar sentido em suas vidas, agarrando-se a ele ou sacrificando-se para conquistá-lo.



ACESSE A PLAYLIST DO LIVRO NO SPOTIFY




COMPRE FILHA DA MAGIA!

EU QUERO O EBOOK GRATUITO DE "A CIDADE DO HALLOWEEN"




Eu vou disponibilizar uma história TOTALMENTE GRATUITA pra vocês bem temático de Halloween, pra comemorar essa data do ano que eu AMO!

SINOPSE: Val e suas amigas Laura, Duda e Saori moram com suas famílias em Pendle, uma pequena cidade conhecida por amar o Halloween. Quando um espelho é quebrado e um jovem misterioso aparece na cidade, as quatro meninas vão descobrir que fazem parte de um misterioso mundo e que uma força maligna está prestes a retornar para dominar o lugar.

CLIQUE AQUI PARA O EBOOK GRATUITO PELO KINDLE UNLIMITED.