A Ilha da Caveira - Capítulo Primeiro: O Dragão




Em marcha, cinquenta homens do reino de Além-mar seguiam enfileirados pelo vilarejo, rumo à costa. Levavam consigo pesadas espadas de lâminas reluzentes e afiadas, apoiadas nos seus ombros direitos. Por onde passavam eram aplaudidos pelas suas famílias e amigos. E por garotos que sonhavam em, um dia, fazer parte do Exército Real. Mas o que essas pessoas não sabiam era que aqueles homens que viam não eram soldados e sim camponeses, como eles. Aqueles homens faziam parte de um plano terrível e estavam ali caminhando para a morte.
O homem que arquitetara o plano chamava-se Lucius. Ele era o chefe do Exército Real e o braço direito do Rei Camillo, mas sua sede de poder era tanta que ele não queria apenas ser um Duque, pois é o que era. Ele queria mais. Queria se apossar do Reino de Camillo. Uma noite ele descobriu que a princesa Rachel se encontrava às escondidas com um jovem camponês que trabalhava como jardineiro no palácio: Johnathan McGrandon.
Lucius queria ser Rei e para isso teria que se casar com a princesa. Então, precisava dar um fim ao camponês e tratou de arquitetar um plano para acabar com o namoro. Ele sabia que o Rei sempre fazia tudo o que a princesa queria e, se esta desejasse se casar com o camponês quando chegasse a idade, era isso que iria acontecer.
O Duque, então, pagou um grupo de piratas para atacar a costa do reino de Além-mar e avisou ao Rei que era preciso combatê-los. Conseguiu convencer Camillo a mandar apenas camponeses sem nenhuma noção de combate para a batalha e, entre eles, John. Lucius deu ordens bem claras aos que iam lutar: “Não voltem até que todos os piratas tenham sido derrotados”, e aos que ficariam na retaguarda, ou seja, seus soldados: “Nem pensem em ajudar os camponeses!”. O plano tinha tudo para dar certo. Contudo, por um golpe do destino, algo não planejado aconteceria.

Já dava para ver o mar agora. Mais uns quinze metros e chegariam aos barcos que os levariam até um navio ancorado, escondido perto de uma floresta conhecida como Floresta Negra. Ninguém entrava nela por medo e superstição. Os que se aventuravam a isso, quase nunca voltavam para contar a história.
Os barcos avançaram pelo mar, desviando das pedras. Ainda ao longe, dava para se ver a bandeira negra com uma caveira branca desenhada balançando com o vento. O mar estava calmo, praticamente sem ondas. O imenso navio surgiu detrás das pedras. Ele era, até mesmo, maior que os navios do reino. A água salgada o embalava como uma mãe faz com seu bebê. Parecia não haver ninguém a bordo.
Silêncio.
Os barcos ancoraram diante da imponência de um dragão entalhado na madeira da proa. Os camponeses jogaram cordas e começaram a subir para o convés, tentando fazer o mínimo de barulho possível. Quando o último pisou no navio, foi surpreendido pelos piratas, que haviam prendido seus companheiros.
Todos os cinquenta camponeses presos por apenas treze piratas. Talvez você queira saber como foi que os piratas fizeram isso. Simples. Primeiramente, os camponeses não tinham uma mínima noção de combate, apenas tinham uma vontade enorme de vencer seus inimigos e se tornarem reconhecidos como heróis em todo o Reino. Infelizmente, isso não bastava. Os piratas, por sua vez, eram ótimos na luta. Além disso, sabiam quando algo se aproximava deles. E isso lhes dava muitos pontos de vantagem. Sem contar com a astúcia.
Pants-Down Elmer, o pirata que ficava de vigia, no mastro, observou a aproximação dos barcos e logo tratou de avisar seu Capitão. Este por sua vez, mandou que toda a tripulação ficasse quieta, para que aqueles visitantes achassem que o navio estava vazio.
Escondidos em lugares estratégicos, os piratas esperaram os camponeses subirem a bordo. E então, capturaram um após o outro, em silêncio, amordaçando-os e os prendendo com cordas, tomando cuidado para não fazer qualquer barulho, pois os que ainda não estavam no navio não podiam perceber o plano.
A cena pode ser comparada com a de quando um leopardo aproxima-se, sorrateiro, de suas presas e só se mostra para elas e começa a correr quando já está bem perto.
Estratégia.
O fator surpresa deixou os piratas pelo menos dois passos à frente de seus oponentes.
- Sabem quem eu sou? – disse um homem mascarado, ao se aproximar dos prisioneiros.
- Fenton? – um camponês amedrontado arriscou um palpite.
- Certo! – disse o homem. Seus olhos azuis brilharam por trás da máscara negra que cobria a parte superior do seu rosto, até seu nariz. – Me chamo Edward Fenton. Posso saber como descobriram que eu estaria aqui?
- Duque Lucius. – disse outro camponês. – Ele nos mandou para cá!
- E sabem o que eu farei a vocês?
- Por favor, senhor, não nos mate! – disseram alguns.
- Não? E o que devo fazer a cinqüenta homens que invadem meu navio com esse intuito?
- Por favor, senhor! – os camponeses imploravam, apavorados. - Temos família!
- Meu jovem. – disse Fenton, apontando para um rapaz alto e magro amarrado junto aos outros. – O que acha que devo fazer? Matá-los?
- Não, senhor!
- Exatamente a resposta que eu esperava. Olhem bem... Se eu desse um último desejo a qualquer um de vocês tenho certeza que pediriam para não morrer. Estou certo?
- Não, senhor! – disse o mesmo rapaz.
- Não? – espantou-se Fenton.
- Não, senhor! – repetiu o garoto.
- Por que diz isso, garoto?
- Senhor, se me concedesse um último desejo eu pediria que não matasse esses homens e que fosse até o Reino de Além-mar e entregasse algo à alguém.
- Está falando sério garoto? – disse Fenton, ainda mais espantado.
- Sim, senhor! – falou o rapaz, sério, e Fentou o fitou por um momento. Os piratas olhavam espantados para Fenton e o rapaz. Ninguém nunca havia respondido ao seu Capitão algo que o mesmo não esperava ouvir.
Silêncio.
- Marujos! – disse o pirata, ainda atônito. – Levem nossos hóspedes aos seus aposentos no castelo de proa. Vocês são muitos e não vão ficar devidamente confortáveis, mas é o que posso fazer!
- O que vai fazer com a gente? – disse um camponês, ainda amedrontado.
- Meus caros, hoje começaremos uma longa viagem até a Ilha da Caveira.
- Vai nos matar lá?
- Quem aqui falou em matar? – disse Fenton. – Bem... Na verdade eu falei. Mas era uma brincadeira. Eu deixo isso para a Marinha Mercante ou a Marinha Real. Nós faremos uma viagem até a ilha dos piratas. Vocês terão mais explicações amanhã. Garoto! – Fenton chamou o jovem por quem simpatizara. – Estava falando realmente sério sobre seu desejo?
- Sim, senhor!
- Mas se desejasse não morrer você mesmo poderia levar o presente.
- Talvez não fosse a melhor coisa a fazer!
- Como se chama, garoto?
- John. Johnathan McGrandon, senhor.
- Bem... Johnathan. É melhor ir descansar como os outros. Quero meus novos marujos bem dispostos para amanhã.
- Sim, senhor! – disse John, sorrindo, e deixou o convés.

          A tarde foi se tornando noite. John olhou para o leme e viu Fenton. Ele estava sempre lá quando o sol se punha. Gostava de passar a noite navegando. Com os pés separados e as mãos nas malaguetas, ele manejava o timão com tanta facilidade que parecia fazer parte do navio. E o único pensamento de John foi de que Fenton havia nascido para navegar uma embarcação.
          Os ventos estavam soprando mais forte, guinando o Dragão. John olhou para a sombra do pirata se inclinando e seu braço movendo o timão, enquanto o navio serpenteava no meio das ondas. O Dragão se inclinou por causa de uma lufada de vento. O timão girou, os braços do condutor se curvaram como uma manivela e, com isso, o navio se estabilizou. Parecia que Fenton era a embarcação. Seu olhar desceu a barlavento da vela mestra. Ele desceu do leme e aproximou-se de John, que segurava um anel em suas mãos, sentando-se ao seu lado.
- Já esteve nas Índias, garoto?
- Não. – John respondeu.
- Mas já esteve no mar. – disse Fenton e o Dragão balançou em meio às ondas. – Dá para ver em você... O mar corre no seu sangue.
- Já estive no mediterrâneo e uma vez atravessei o canal com o meu pai quando ele trabalhava para uma companhia de navegação, isso é tudo.
-Foi mais longe do que muita gente. – falou o pirata como se relembrasse de uma cena engraçada. - Ora, já vi uma grande quantidade de homens atravessando poças no meio da rua e olhando para trás, a fim de ver a viagem que haviam feito. – Fenton parou de falar por um instante - Já a conhece há muito tempo? A dona do anel?
- A conheci quando era garoto e...
- Ora, você ainda é um garoto!
- Quando eu era mais novo, então. Fui trabalhar no castelo onde ela é princesa e nos apaixonamos. Mas desde a primeira vez que a vi senti que já a conhecia de toda a minha vida.
- E então teve de lutar contra nós e não deu o anel.
- Exatamente. Quando me lembrei do anel já era tarde. Estávamos muito longe do castelo para voltar.
- Posso perguntar onde o conseguiu?
- Era do meu avô. Ele me deu antes de morrer.
          Fenton virou-se para as velas. Então levantou-se e fez um gesto para que John o acompanhasse. Ele foi até um cesto de palha, que estava ao lado do mastro, e pegou duas espadas.
- Já empunhou uma espada? – disse o pirata. As duas espadas eram bem parecidas, exceto pelas empunhaduras: Em uma delas havia uma caveira e ossos cruzados. A outra tinha listras douradas em horizontal na parte superior.
- Só quando fomos lutar contra vocês na costa do reino. E mesmo assim nem cheguei a usar uma de verdade.
- Mas você é apenas um garoto! Aprende rápido.
- Preciso aprender a duelar com espadas para viver na Ilha da Caveira?
- Digamos que precisa aprender a duelar para ser um pirata!
- Eu serei um pirata? – falou John com uma ponta de excitação. - Navegarei com o senhor?
- Ora, garoto! Só os piratas vivem na ilha. – disse Fenton, jogando uma das espadas para John. – Agora eu vou atacar-lhe e você vai tentar se defender.
- Mas eu não sei... – começou John, mas antes que pudesse terminar sua frase, Fenton cortou o ar com a espada e foi em sua direção. O pirata parou o golpe com poucos centímetros acima da cabeça do garoto.
- Tente apenas se defender, está bem?
- Senhor... Eu não tenho a mínima idéia de como se usa isso!
- Sei que não. Apenas tente se defender.
          Fenton novamente atacou John com sua espada, mas, dessa vez, o garoto conseguiu se defender e as espadas produziram um som forte e agudo. Elas deslizaram uma sobre a outra e as lâminas soaram como se estivessem sendo amoladas. John tinha os movimentos elegantes e os reflexos rápidos, logo aprenderia.
Novamente Fenton atacou o garoto e este pulou para trás, pondo a espada em horizontal, próxima ao seu rosto.
- Não aproxime tanto assim do rosto, garoto.
- Sim, senhor!

          Não demorou muito até que John aprendesse a duelar. E rapidamente ficou quase tão bom quanto Fenton. Viver com os piratas, ajudar a navegar eram experiências que ele nunca sonharia em ter um dia. Ele aprendeu sobre a navegação e como era fantástica a vida no mar. No começo enjoara um pouco com todo aquele balanço do navio, mas havia se acostumado depois de uma semana à bordo do Dragão.
A Ilha da Caveira, para onde estavam indo, era uma ilha de porte médio, à sudoeste de Port Royal. Fenton havia mostrado um mapa aos camponeses onde estava traçada toda a rota do navio em linhas pontilhadas. Pegando carona com os ventos alísios, navegariam para o oeste, passando ao lado de Hispaniola e Port Royal até chegarem à ilha dos piratas. Ficariam sempre perto da costa para evitar conflito com ingleses, que viviam circulando pelo Mar do Caribe.
          John e Fenton se tornaram grandes amigos rapidamente. Para o pirata, o camponês era o filho que nunca tivera e para John, Fenton era como um segundo pai. John estava deitado em seu leito quando ouviu o som de uma garrafa se quebrando, junto à gargalhadas e uma música animada que tocava quase todas as noites no navio.
Sempre que podiam, os piratas faziam uma de suas festas e o que mais havia no Dragão era uma bebida de tom amarelado chamada rum. John nunca bebera na vida. Nem se quer participava das festas. As noites que não tinha que ficar de vigia, ficava deitado em seu leito pensando em Rachel. Será que algum dia voltaria ao Reino e poderia revê-la?
          Outra garrafa quebrou-se no convés. John levantou-se, andou até a porta e saiu de seu leito. Deixou o castelo de proa em direção ao convés. O barulho das vozes dos piratas aumentou em dez vezes.
- John! – gritou Fenton, pegando uma garrafa com o tal do rum. – Venha até aqui, garoto.
- Por que nunca vem às festas, filho? – disse um camponês, que há muito já havia virado um pirata.
- Não sei! Fico pensando um pouco... – começou John.
- Pensando em mulher, eu aposto! – disse um pirata barbudo, segurando outra garrafa de rum, a quem todos chamavam de Darius Candlemaster. - Esse é o remédio perfeito para você, garoto!
- Já bebeu rum, Johnathan? – perguntou Fenton.
- Não, senhor. Nem bebida alguma.
- Vejam só! – disse um camponês, que parecia estar mais pra lá do que pra cá. – O garoto não sabe aproveitar a vida!
- Tome um pouco, John. – disse Fenton, despejando o conteúdo da garrafa numa caneca. – Vire tudo de uma só vez!
            O rapaz pegou, inseguro, a caneca de um liquido amarelo-escuro. Ele encarou o rum por um segundo, o cheiro do álcool adentrava suas narinas, fazendo-as arder um pouco. Suspendeu a caneca e virou todo o conteúdo em sua boca. Um doce prazer desceu queimando em sua garganta até o peito. Uma ardência invadiu sua boca e tomou conta de sua língua, fazendo-a formigar. Sua cabeça parecia ter explodido em mil pedaços quando ele voltou a si. Seus olhos lacrimejaram e sua respiração acelerou um pouco. Ele olhou os piratas, e depois para o mastro. Tudo rodava. Então ele caiu sentado em uma cadeira. Todos olhavam para ele. Ou pelo menos parecia que olhavam.
- E então? – perguntou Fenton. – O que achou?
- Eu posso beber um pouco mais para responder? – disse John, rindo. As gargalhadas de piratas felizes ecoaram pelos oceanos.




Capa: Valeska Pouzacski
A Ilha da Caveira será lançado em E-book.
Todos os direitos reservados à autora.

Sinopse do livro "A Filha de Gaia"




Há muito tempo, quando a floresta ainda era jovem, viviam em harmonia os homens, os animais e as criaturas mágicas. Eles protegiam uns aos outros e dormiam à sombra de enormes árvores. Mas os seres humanos buscaram o poder, ficaram violentos. E o Mundo Mágico e o Mundo dos Homens, então, se separaram. Por muitas Eras, houve tentativas de unir novamente os dois mundos. Todas em vão. O Mundo dos Homens se tornou autodestrutivo com o passar do tempo. Agora, os habitantes do Mundo Mágico resolveram fazer mais uma tentativa. Mas, talvez, os humanos tenham se esquecido de como ouvir a magia. Essa história não aconteceu tempos e tempos atrás. Ela vem sendo moldada nas Eras. E o que será contado aqui acontecerá num futuro próximo. Mas logo o planeta e até os imortais irão esquecer. Contudo, alguém lembrará.

Capa: Luisa Melo